On devrait toujours s'excuser de parler de peinture
Afternoon sister, minha irmã tardia, fica mais um pouco -a prece dos serenos- fica. O pó ainda não assentou, fica. Tenho gás no meu fogão e a qualquer instante, qualquer, há um gato que pode entrar, fazer como se a casa fosse sua, escrever uma dedicatória derradeira no chão, deitar-se. A coisa promete. Fica e não me faças falar da morte das tardes.
Não há nada a perceber. Um homem, às vezes dois, quase sempre desdobrado, fechado às voltas na solidão circular do quarto, necessariamente se exprime. Por entre os cigarros, a janela que teimosamente escorre os dias, o homem faz o seu trabalho. O caminho que uma lucidez sem tréguas porque sem pessoas percorre não é para entender. A alguns seja dada a vontade de o percorrer. E que o homem grite. Que possa muito pouco contra o fim da tarde, que seja doente. Não há nada para perceber. O nosso extraordinário doente por vezes solta verdadeiros urros de dor.
Os pulsos finos, finos: Eh, vá lá, não está frio aqui, tira a camisola.
O rapaz que sempre galga os lances das escadas.
A sombra que fazia.
Suado como alguém que amamos subindo a bancada, sorrindo, sorrindo, depois de três sets difíceis de ténis, ténis vitorioso, para nos perguntar se vimos aquela sua última jogada. Sim. Oui. . . Sabemos estas coisas, sim. Mas não a última.
. meu coração vagabundo, coração farto, coração cozinhado, coração canhão, coração comboio, o coração das coisas, coração-saudade, coração-couve, coração máquina, o super coração, o coração mais, o coração do mundo, coração partido, o estilhaço do coração, o coração de corda, o de papel, o espásmico, coração independente, coração que não comando, coração carne, coração dente, coração transparente, coração-amor, o sagrado coração. o meu, o teu, o seu, coração-bomba, o coração sem forma, o coração informe, o coração ausente, o coração fantasma, o coração penado e por fim aquele, o coração de todos, o coração sem qualidades, que é coração simplesmente. o que bate.
A gente sabe muito pouco do amor. Uma mulher, que cantava pregões romeiros à Virgem escondida entre a folhagem, trazia um pão com manteiga e um mil nove e vinte na sacola. Não trazia soutien, que quando algum curioso invadia o santuário, eu via-lhe o já reconhecido gesto brusco e doce da camisola de malha precipitada para cima. E canta que se desunha, a mulher. Canta bem, a minha desavergonhada devota no canto do jardim. Mas principalmente, canta alto ao deus dará. Olhe que Deus não dá, minha senhora louca e febril como uma sereia, toda assim atracção e repulsa. O borde da loucura? Sei lá eu que língua se fala numa fronteira. A única loucura é pensar que a loucura (a vida) começa. Ou termina. Bordas, sabemos lá das margens da vida. Ou do furor.
After my father was buried in 1976 in Zurich, my mother gave me the coat: "This is your father's coat. It is very good, warm and not worn at all. Please take it with you to New York and wear it." I hung up the coat in a small room in our house - with all my film cans on the window sill and an Aloe plant (needs a little water). The door is closed. I did not wear the coat for many years. As time goes by I am thinking more of my father and how I might become more like him. On 14th Street I buy a Russian Lenin medal with shining red star. The medal looks good on the coat - it changes everything. The coat stays with the plant and film cans. When I am in New York on a cold day I wear the coat with the medal. The writing under the photograph is like sending a postcard - the medal on the coat an imaginary past; the plant is alive and waiting and growing. and I am getting old.
A gente sabe tão pouco do amor. A avó dizia sempre não tenho preferidos. Não tenho preferidos, mas de todos é dela quem mais gosto. Dela, essa sua capacidade de amar para além de si mesma, digo. Beijos aí. Saudades, estúpida.
. . . Oh the sisters of mercy They are not departed or gone They were waiting for me When I thought that I just can't go on And they brought me their comfort And later they brought me this song Oh I hope you run into them You who've been travelling so long . . .
O bicho em si não me faz espécie nenhuma. De frente, a gente engole-o nas tequilhas, pega-o à cara nas arenas. o nojo do verme ser verme é precisamente a surpresa decrépita. Não te invoquei, ó ser vil, para a pequena, mas tão sólida, glória do meu banquete de laranjas pela manhã. Não chamei a podridão a inaugurar o meu dia, mas de facto lá está ela, bandeira quase infecta de um reino secreto, que parece ter incubado toda a miserável vida à espera desse momento, em que irrompe à superfície, explode viscosa na minha cara e ri, ri alarvemente a minha minhoca nojenta.
Graças aos céus que há o nojo a purificar-nos a comezinha e burguesa glória. Que faríamos nós de nossa vida tão pura?
3- Desventurados os pobres de espírito pois debaixo da terra serão o que agora são na Terra.
4- Desventurado o que chora, pois tem o miserável hábito do pranto. 5- Desventurados os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória. 6- Não basta ser o último para alguma vez ser o primeiro. 7- Feliz o que não insiste em ter razão, pois ninguém a tem ou todos a têm. 8- Feliz o que perdoa os outros e se perdoa a si mesmo. 9- Bem-aventurados os mansos, porque não concordam com a discórdia. 10- Bem-aventurados os que não têm sede de justiça, porque sabem que o nosso destino, para melhor ou para pior, é obra do acaso, que é insondável. 11- Bem-aventurados os misericordiosos, pois a sua felicidade está no exercício da misericórdia e não na esperança de um prémio. 12- Bem-aventurados os puros de coração, pois vêem Deus. 13- Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque, para eles, é mais importante a justiça do que o seu destino pessoal. 14- Ninguém é o sal da terra; e ninguém, em momento algum da sua vida, não o é. 15- Que se acenda a luz de uma lâmpada, ainda que nenhum homem a veja. Deus a verá. 16- Não há nenhum mandamento que não possa ser infringido, incluindo os que eu determino e aqueles que os profetas indicaram. 17- Aquele que mata por causa justa, ou por uma causa que julgue justa, não é culpado. 18- Os actos dos homens não merecem nem o fogo nem o céu. 19- Não odeies o teu inimigo, pois se o fizeres, de algum modo serás o seu escravo. O teu ódio nunca será melhor do que a tua paz. 24- Não exageres o culto da verdade; não há homem que, ao fim do dia, não tenha mentido com razão muitas vezes. 26- Resiste ao mal, mas sem assombro nem ira. A quem te bater na face direita, podes dar a outra, desde que não sejas movido pelo medo. 27- Eu não falo de vingança nem de perdão; o esquecimento é a única vingança e o único perdão. 28- Fazer o bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é difícil; amá-lo, é tarefa para anjos e não para homens. 29- Fazer o bem ao teu inimigo é a melhor maneira de satisfazer a tua vaidade. 30- Não acumules ouro na Terra, porque o ouro é pai do ócio e este da tristeza e do tédio. 31- Pensa que os outros são justos ou que o serão e, se assim não for, não é a tua culpa. 33- Dá o que é santo aos cães e dá as pérolas aos porcos; o que importa é dar. 34- Procura pelo prazer de procurar, não pelo de encontrar... 39- É a porta que escolhe, não o homem. 40- Não julgues a árvore pelos seus frutos nem o homem pelas suas obras; podem ser piores ou melhores. 41- Nada se constrói sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas o nosso dever é construir como se a areia fosse pedra... 47- Feliz o pobre sem amargura ou o rico sem soberba. 48- Felizes os corajosos que aceitam o aplauso ou a derrota com o mesmo ânimo. 50- Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor. 51- Felizes os felizes.
Jorge Luís Borges Fragmentos de um Evangelho Apócrifo
Imagino que nasci num país coberto por espesso nevoeiro E que nunca contemplei o risonho aspecto da natureza inundada É verdade que desde a minha infância oiço falar E sei que para lá dele, na minha pátria, há outro E que é por esse que aspiro cada dia. Não é uma história inventada por um habitante que não volta para a lavra Por um homem triste que pára na velhice ou em frente do arado É por uma realidade brilhante como um rei em combate Um herói a coroar-se das trevas que venceu
Se é é preciso que eu coma sozinho o nevoeiro da provação Ainda que me doa a humidade do reino luminoso Comerei a obediênca - há por certo Uma região mais íntima na circulação das minhas veias Uma outra terra que pensa a minha morada Um perfume, uma maravilha, um repouso Para a cabeça dos que lutam com bravura
Eu, porém, não disperso a energia. Reúno-a Para o amor Viro costas ao duelo como medalha no peito do esposo E respiro até à última gota do sangue. Minha madre Eu corro
Meu recente e sincero amor traz-me uma atenção delicada, vira sem espalhafato as minhas órbitas para o céu, mas ah os pormenores são tão excitantes. A estrelinha, por exemplo, com um estômago não maior do que um feijão, atravessa a voar o mar do Norte!
Meu caro senhor, . Nego com veemência qualquer semelhança com essa mulher que sorri e apenas ama a Deus, mas por favor, não deve, de maneira alguma, acreditar na minha palavra. Obrigada.
Sim, sou uma amante de aves porque me parecem, de todos os seres da criação, os mais próximos do puro espírito- essas critaturinhas com uma temperatura normal de 51 graus.
Transcrevo os poemas onde os altamente inteligentes os tremendamente alheados do mundo podem ver pra lá do enigma o claro mapa da minha desolação. Não me divirto com a poesia como pensas. Mesmo na fila da lavandaria, entre cuecas alheias, sei poemas de cor. Mesmo em frente à tua cara sei poemas de cor. Par coeur. Deixa-me gozar as pequeninas vantagens que é ter o último lento degelo em vez do coração. Uma destas vantagens é o gotejar- enlouquece se se puser à escuta, mas procuro manter-me longe dessa manía de agora que é a introspecção. A vantagem é que jamais se morre à sede.
Tudo é, enfim, muito fácil de perseguir.
Deixo as pistas como uma criança desastrada de joelhos esfolados, que foi a única que vi. Se tivesse um megafone provavelmente não o usaria. Acredito que ninguém persegue um grito.
Ouve-me, quando vierem pedir-nos contas pelo nosso crime não esperes as sirenes para fugires com a mala por fazer, os trapos por amealhar, a fuga com ou sem rastro. Não esperes porque surpreender-nos-ão no epicentro deste incêndio. As mãos no fogo, na massa originária desta deflagração. Se ficares é pra morrer à queima. Nem sequer teremos dos cães a sorte de que ladrem furiosamente ao longe, em aviso. Temo que apenas bastem as reincidentes arias que oiço em repeat no gira-discos para que nos apanhem. Mozart, esse cabrão sublime, chega a traír por muito menos que trinta moedas. Trinta RPMs. Nem isso. Temo que bastem os gestos tão imperfeitamente domésticos para indicar as precisas coordenadas do nosso esconderijo. Lugar onde aliás, nunca fomos felizes. Era o pânico miúdinho das ante-manhãs com as camisas sujas de sangue e as mãos acesas que nos cosia à tensão e nos mantia os corpos colados pela seiva espessa daquele desejo atordoado, próprio da fuga. Ah e eu já sabia tudo isto, que tu não ficarias.
Bella è la puttana di Closing Town, bella neri i capelli della puttana di Closing Town, neri ecine di libri nella sua stanza al prima piano del saloon li legge quando aspetta storie con un inizio ed una fine se glielo chiedi, te li racconterà giovane la puttana di Closing Town, giovane tenendoti tra le gambe ti sussurra, amore diceva Shatzy che costava come quattro birre sete di lei nei pantaloni di tutta la città
si chiamava Fanny tutti l'amavano ma solo uno l'amava ed era Pat Cobhain lui restava di sotto, beveva birre e l'aspettava quando tutto era finito lei scendeva
- Ciao Fanny
- Ciao
Andavano avanti e indietro dall'inizio della città alla fine tenendosi stretti nel buio e parlando di quel vento che non finiva mai
- Buonanotte Fanny
- Buonanotte
Aveva diciassette anni Pat Cobhain verdi gli occhi della puttana di Closing Town, verdineri.
se souberes ver, se admitires que tudo é uma questão de atenção, se apenas me olhares com a demora do teu amor. Peço não me insultes e não procures as óbvias frases sublinhadas. Não serão precisas. A selecção será tão cuidadosa, as instrucções que dei ao poema tão claras, que quando for o teu verso - aquele que o poeta e depois eu e depois ele por cima, deixou para que tu lesses, quando for o teu verso ele se agarrará de tal forma ao teu externo, que o poema inteiro deixará de existir, e o verso, o verso que é teu será sussurrado pela minha voz ao ouvido da tua cadência. De tal forma, em tal ângulo incidido, que verás, daqui a uns anos não saberás mais o meu nome, esquecerás que respirei pela tua boca, perderás enfim tudo o mais que dá a vida. Mas a frase cadenciada que esses versos inscreverão em ti se tornará tão primordial, tão antiga, que quando os disseres enfim em voz alta, é a tua voz que ouvirás.
[Requiem Para Uma Devoção Crua. o K626, mais concretamente]
não que fosse a pedra, a pedra viva a ressoar; não os bancos, Magistral, pensava ele. Magistral, enquanto morria e não isto, não aquilo uma só coisa adentro e afora e ajoelho-me sem querer nenhum perdão: pelo puro gozo de adentrar isso que ressoa.
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[e puro gozo é quando o corpo sucumbe: A prostração é uma posição pagã. Isso que fazem os sacerdotes ao ser ordenados, ou os fiés em adoração, quando se prostram por uma evidente razão de escala. Estão é a misturar o corpo com a terra. Inconsciente lucidez para eles, que o corpo será ainda a última estreita passagem.]
tudo isto e aquela coisa ali tudo isto e aquela coisa ali de lado, a dizer Eu Sou
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas. No sábado é que as formigas subiam pela pedra. Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho. De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana. Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é? No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde. Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais. Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã. Domingo de manhã também é a rosa da semana. Não é propriamente rosa que eu quero dizer.
Clarice Lispector in "Para não Esquecer", Editora Siciliano - São Paulo, 1992
não eras tu, ausente que é preciso amar, quem prometeu erguer-se mais alto que as montanhas que quebram o horizonte? quem prometeu chegar feroz e precipitado?
afinal fazes-te fino e omnisciente como o ar. que maçada.
Yo me callo, yo espero hasta que mi pasión y mi poesía y mi esperanza sean como la que anda por la calle; hasta que pueda ver con los ojos cerrados el dolor que ya veo con los ojos abiertos.
Sou um pintor. Trago sangue para os vossos olhos. Tenho artérias que se descosem e me cospem dentro de mim mesmo. Preciso de muita paciência, de todas as mulheres do mundo. Durmo sobre a cama profana da minha escuridão. Contagio e deixo-me contagiar pela peste dos bairros pequenos. Não suporto muita luz, não sei o que é uma avenida. Esquinas, sou qualquer coisa que o espanto torce. Sou viviado no álcool dos corpos que se difundem. Bebo das vossas bocas o que não pode ser visto. Pinto para me esquecer do que não pode ser visto. Pinto com os materiais clandestinos do meu amor. Não projecto nada na minha tela. Eu sou a tela. Eu sou a luta das cores por um diafragma de beleza. Sou um pintor. Mereço morrer como um pintor. Não mereço que me prendam. Mereço todas as minhas paixões. Mereço todas as minhas paixões.
a Pina Bausch e o Dominique Mercy e os corpos que nos devolveram, a bolsa de valores no lugar do colchão de palha, os CSS que afinal não são japoneses nem músicos, a descoberta da relação entre a emoção e a razão e o Damásio, o facto de os museus agora serem danceterias e o São Luís, o Stabat Mater que afinal nunca existiu, o Paul Bowles e a complicação das novas linguagens quando o objectivo é comunicar, o frio que faz aqui e os aquecimentos que já não se acendem porque já é verão, a Trienal de Arquitectura e a gente de que fala que nem sabe o que isso é, o Nanni Moretti e os Berlusconis, as mentiras do 1 de Abril e o calendário que suele seguir, os CDs e DVDs que não interessam e que são gratis e que são todos, os anúncios dos telefones e dos jornais que são mais ou menos assim e que podiam ser anúncios a qualquer coisa
olha o sol a abrir o asfalto. o sol a abrir o asfalto e a sentar-se no tremendo e podre trono da sua ignorância. neve sobre a marginal, mais ou menos. voltamos, não importa quem nem para onde. voltamos e só basta o caminho. é o caminho mais bonito, vem, vai dar ao verão. de que lado? do lado de lá seguramente, sucessivamente e assim per omnia lado de cá lado de lá lado de cá lado de lá. voltamos para onde e para quem. os dias estão cheios de desilusão distraída e é por isso que as noites têm garras.
ho visto i suoi film "Roma città aperta" e "Paisà" e li ho apprezzati moltissimo. Se ha bisogno di un'attrice svedese che parla inglese molto bene, che non ha dimenticato il suo tedesco, non si fa quasi capire in francese, e in italiano sa dire solo 'ti amo', sono pronta a venire in Italia per lavorare con lei.
. . . Sobre a Grécia só o Homero me tinha dito a verdade: mas não toda (...) O que há de extraordinário ali é que o mistério é à luz do sol. Na acrópole ao meio-dia, como sol a pino . . .
padre, confesso: sou uma ladrona de pessoas. Entro-lhes pela vida adentro sem nada poder, e até, convenhamos, com toda a legitimidade. Isto é, dando tudo. Mas de alguma maneira nunca basta. É então que roubo sem pudor. Roubo porque deliberadamente quero o coração das coisas. Esse que ninguém to dará, por muito que te ame - Roubo sobretudo fotografias antigas, velhas, démodées, que nada me dizem. Gente que nunca vi nem verei. Absolutamente inofensivas, as únicas capazes da ferida. As que garantem o passado, a vida, a continuidade do outro no mundo sem, em ponto algum, eu a ter tocado. A sua unicidade. A sua unicidade falível. Roubo estas fotografias, padre, porque é muito importante amar o coração das coisas. Aquele que a gente não toca. Sobretudo esse.
Cheio do Espírito Santo, retirou-se do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde esteve durante quarenta dias, e era tentado pelo diabo. Não comeu nada durante esses dias e, quando eles terminaram, sentiu fome.
Dois estranhos na mesma esquina a esperarem simultaneamente duas coisas diferentes. Dois carros, provavelmente. Um para cada um. Uns quantos amigos para um, uma familia para o outro. Enfim. Acontece que esperavam distintamente no mesmo sítio. É preciso fazer notar que só alguns estão vocacionados para a espera. Estou em creer que é mesmo uma vocação, um dom, uma singularidade, uma qualquer maldição dessas que distinguem. Mais ou menos como a caça - Proliferam como coelhos os caçadores deles, isto é, são uma espécie em abundância, os caçadores-histéricos. No entanto são raríssimos aqueles que se sabem suspender para auscultar o coração crescente da sua presa. São raros os caçadores que sabem caçar, e com grande nauséa o constato, demasiados os que chacinam. Assim também os esperantos, vamos chamar-lhes assim, são raros. E são tão óbvios os seus duplos farsantes. Aqueles que até esperam cheios de paciência escondidinhos atrás da pausa, agarrados ao telemovél ou a um qualquer gadget, que em versão mais simplória se substitui por um raminho de árvore partido, umas palavras-cruzadas. Um tricôzito. Palavra de honra, há tanto, tanto tempo que não vejo ninguém que espere em verdadeira posição de espera: desamparado, os braços caídos ao longo do corpo, os sentidos aguçados para o que há de chegar. E o corpo claramente esquecido e portanto vulnerável.
Há tanto tempo, que quando olhei o estranho ao lado no mesmo desamparo familiar me enterneci. E envolta numa cumplicidade indestrutível, embalei-me e disse-lhe o que achava sobre a nossa clara e cavalgante extinção. - Desde que me lembro da vida que existiram poças de água junto aos passeios.
esgotante era sabendo não poder viver um tempo findocomo se fosse uma forma de reivindicar-lhe os deveres- e ela sabia, sabia que isso era exactamente o que sempre fizera errado- fazê-lo por não conhecer outra forma segura de comunicar/amar. O problema é que as coisas não tinham de ser principalmente seguras. E que esse esforço brutal só podia ser inglório como o sabia a cada dia no peso dos seus olhos. Era um ciclo viciado e vivo vivo. Lembrava-se bem do dia em que tivera de esvair-se para corromper um semelhante ciclo, e da forma como -orgulhosamente hoje- percebia o brilhantismo da sua opção.Eram segredos só seus, segredos que ia construindo assim seus. (os segredos nada têm a ver com secretismo, as mentiras sim). Já nem sabia se eram bem vindos, escolhera-os assim havia muito, e lembrava como se agora as razões da sua escolha de menina-mulher. Recordava demasiados reversos simétricos, sobreposições temporais, e repetições em deferido. Já não tinha o que dizer e ainda não havia o que seria, e assim não a viam. E isso assustava-se a si mesmo e sobrepunha-se-lhe.
"a coisa" confundia os seus olhos construidos, e confundia-se com a memória de Joana cheia de reversos simétricos, sobreposições e transfigurações. Quanto mais próxima cheirava a terra menos dela podia moldar seus segredos (os segredos que nunca nada tiveram a ver com secretismo). Ia deixando um lugar confinado ao vazio, que nao era esquecimento nem ignorância, antes um lapso de tempo como a memória. que afinal era só uma memória cheia de direitos.
E Dudu disse esquece esse negócio de clausura, vocês precisam daquilo que arde ali à mão. Precisam tocar o desejo, a paixão (e seus derivados). Intenso tudo aquilo, ele a falar do meu amor. Dudu viu. E eu calei.
Durante todo o tempo que ele falou eu estava muito espantada com tanta certeireza (tendo em conta suas 4 hérnias discais e sua morna).
Mas do que gostei mesmo foi seu plural. Todo o tempo ele falou "vocês", como se o segredo pequenino que vinha nos unindo crescesse óbvio aos olhos do mundo. Dudu dizia, afinal, que eu tinha a mesma força com que você antes enchera as paredes daquela igreja. Isso me encheu de alegria.
A gente seguiu dançando. Resta dizer que Dudu era branco, de nariz afilado. Que trazia a fotografia do seu recentíssimo amor (3 dias) no bolso de dentro do casaco. E que os seus amigos o chamavam de príncipe.
"Obrigada meu Deus, por ter nascido. Faz que eu viva na alegria do ser, faz que eu viva no Espírito da tua verdade, faz que eu viva na tua misericórdia e salva-me em ti para que eu encontre em ti a minha inteireza. Perdoa-me os meus pecados mesmo aqueles que não vi por não ter sabido conquistar a lucidez necessária par os reconhecer. Ajuda-me a ver, salva-me do opaco, guia-me na tua transparência. Olha-me sempre, que o teu olhar me alimente e me sustente, não me deixes cair das tuas mãos. Ajuda-me a não pecar, ajuda-me a viver na comunicação dos santos, ajuda-me a construir o teu reino, ajuda-me a viver na alegria do Espirito Criador que me chamou do Tempo em que eu não era para o Tempo do ser."
o rapazola, o eterno, o que jamais será um homem, que dispara em todas as direcções, e para o próprio pé também, embora sobretudo para os braços dos outros, impedindo-lhes o voo, amordaçando-os com a culpa (je me sens coupable parce que j'ai l'habitude, cantava Lhasa), com a culpa do mundo.
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(Texto do blog A espuma dos dias, Fevereiro do ano passado)
Foi o caminho todo aquele silêncio tão desastrado, mas agudo ao ponto de se inscrever na categoria daqueles capazes de rasgar as estradas e as suas árvores negramente, vagamente inúteis. Não se disse uma palavra mas secretamente decorei todas as curvas -as travagens, as maçãs no escuro- para fazê-las na volta, a custo, contigo. Não entendo quase nada, mas eu no avião, tu no teu furioso carro - e sigo contigo na estrada que leva a nenhuma dor.
PEDRAS III // há pedras habitadas. Pássaros que não migram/ só para não sofrerem a partida // Esperam um ano a fio pelo regresso dos companheiros JOÃO HABITUALMENTE
O Calendário Juliano foi instituído por Julio César no ano 46 a.C, segundo as indicações do astrónomo alexandrino Sosígenes, tendo vigorado por 1600 anos. Com a conquista de novos territórios, César sentiu a necessidade de uniformizar o calendário, já que outros eram utilizados pelos povos anexados ao império. O Calendário Juliano foi substituído pelo Calendário Gregoriano a 24 de Fevereiro do ano 1582. O novo calendário foi promulgado pelo Papa Gregório XIII e foi adoptado nos países ocidentais.
Na Rússia e em outras zonas de influência cristã-ortodoxa, seguiu-se com o calendário Juliano
Trago comigo a íntima convicção - e a pesada herança- de que, para cada Objecto sobre a terra, há um par que lhe pertence. Passei a vida em busca destas simetrias que tantas vezes se revelaram injustas- pares que surgem antes do original, pares que ainda hão-de vir, pares que nunca se juntarão, pares... que não se encontram.
Tudo tem o seu reflexo. A maçã de mármore que está sobre a mesa-de-cabeceira junto com a fotografia (a preto e branco) de uma mulher de afilados pulsos brancos.
Ainda não encontrei a metade do alfinete-de-peito debroado a ouro que parece ter pertencido a todas a mulheres da minha família.
The title of this screen — "Tagasode," meaning "whose sleeves?" — is frequently used for Japanese paintings which hint at the presence of a woman but refrain from actually portraying her. This, it is felt, is more evocative than a literal representation.
Os olhos não tinham medo nenhum mas eram tristes. Escrevia nas noites dos outros, coisas pelas paredes da rua. Tal qual, soube-o sempre, o seu coração cobarde.
................................................E quando choramos de pé, plantados quietinhos em silêncio, quando ................................................choramos de pé sem soluçar, as lágrimas fazem ribeirinhos desde os ................................................olhos até à cova. A cova, aquela que fica, orgulhosa como uma jóia, à ................................................boca do peito, entre as duas clavículas. O buraco que confere ao ................................................pescoço e ao corpo de quem o usa, matéria de estátua. Esse buraco ................................................que sempre achei destituido de qualquer função anatómica que não o ................................................caminho para a perdição «Meu Deus, se amo a curva do teu pescoço» ................................................é afinal reservatório doce desses prantinhos quietos, fluentes.
Sólo buscava un lugar más o menos propicio para vivir, quiero decir: un sitio pequeño donde cantar y poder llorar tranquila a veces. En verdad no quería una casa; Sombra quería un jardín. - Sólo vine a ver el jardín - dijo. Pero cada vez que visitaba un jardín comprobaba que no era el que buscava, el que quería. Era como hablar o escribir. Después de hablar o de escribir siempre tenía que explicar: - No, no es eso lo que yo quería decir. Y el peor es que también el silencio la traicionaba. - Es porque el silencio no existe - dijo. El jardín, las voces, la escritura, el silencio. - No hago otra cosa que buscar y no encontrar. Así pierdo las noches. Sintió que era culpable de algo grave. - Yo no creo en las noches - dijo. A lo cual no supo responderse: sintió que le clavaban una flor azul en el pensamiento con el fin de que no siguiera el curso de su discurso hasta el fondo. - Es porque el fondo no existe - dijo. La flor azul se abrió en su mente. Vio palavras como pequeñas piedras diseminadas en el espacio negro de la noche. Luego, pasó un cisne con rueditas con un gran moño rojo en el interrogativo cuello. Una niñita que se le parecía montaba el cisne. - Esa niñita fui yo - dijo Sombra.
Sombra está desconcertada. Se dice que, en verdad, trabaja demasiado desde que murió Sombra. Todo es pretexto para ser un pretexto, pensó Sombra asombrada.